Não consigo saber bem desde quando não nos damos bem. Até
onde eu consigo lembrar, minha memória vai além e mesmo assim não consigo
encontrar um ponto onde tudo tenha começado. Acho que desde o dia em que eu
nasci, sabíamos de certa forma que nunca teríamos uma boa relação. Deveria ser
bem ao contrário, afinal pra todo pai a filha é uma princesa e pra todo filho o
pai é um herói.
Que ironia, totalmente nosso oposto. Sempre fomos água e
vinho, calmaria e tumulto, guerra e paz. Às vezes acho que não teria como ser
diferente. Cresci vendo injustiça e algumas lembranças ainda me atormentam as vezes.
São traumas, que mesmo que eu tente ao máximo, nunca vou conseguir esquecer ou
perdoar.
Admito que tenha uma pequena parcela de culpa minha, mas não
chega nem aos pés de tudo que já passei e de todas as mágoas. Não tenho nenhuma
boa lembrança disso tudo, e cada dia mais as coisas pioram.
Quando eu era pequena ainda tinha esperança de que as coisas
melhorassem... Pura ilusão, não há saída, não há voltas, não há trégua. Vejo
tiros por todos os lados, ofensas, cobranças, gritos, e no final de tudo isso,
lágrimas. Um choro baixinho, doído, silencioso no escuro até eu pegar no sono.
Escrevi muitas cartas, pedi muito, lutei ao máximo, estendi
bandeira branca. Mas nada nunca adiantou, e sinceramente hoje em dia eu ataco
mesmo, sem dó nem piedade, sem pena nem sentimento, se é pra ser guerra que
seja então, não abaixo mais a guarda. Não existe respeito ou afeto com quem não
move um dedo pra me ver feliz e só tranca minha vida e me impede de ser livre.
Não lamento mais, não me arrependo mais, não insisto mais.
Preferia mil vezes a paz, o amor e a tranquilidade, mas já que é pra ser assim,
tudo bem. Não é fácil saber que tenho que voltar pra casa todas às noites e
recomeçar uma guerra sem fim, não queria que pessoas que eu amo sofressem junto
por isso, mas eu não escolhi assim, apenas devolvo (em uma escala bem menor da
que me é atingida) todo desamor e toda ignorância.
Muitos me julgam por eu evitar todo e qualquer tipo de
contato que venha e ser afetivo, mas ninguém realmente vê a verdade, a verdade
que não existe chances disso tudo acabar. Nasci predestinada a uma guerra
dentro da minha própria casa. Ninguém me perguntou se eu queria tudo isso, ou
algo do tipo. Apenas aprendi a não dar mais chances pra quem não merece o sal
da comida que come.
Tentei muitas vezes entender, e procurar respostas. Mas não
tenho culpa pelo destino ou pela falta de sorte que algumas pessoas haverão de
ter na vida. Não tenho culpa se meus avôs morreram precocemente e ele não tem
muito exemplo de amor maternal e paternal. A culpa não é minha, não posso
sofrer as consequências disso tudo.
Nos transformamos em óleo e água, e óleo e água são opostos
que nunca se misturam.
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